Quatro paradas cardíacas. Álcool, maconha, cocaína e heroína. A internação à força na clínica de reabilitação. A coragem de Casagrande de revelar todos os seus demônios…
Nos encontramos em Nova Jersey.
Em junho de 2012.
A Seleção de Mano havia perdido para a Argentina de Messi.
Já fui logo perguntando.
"E o livro, quando sai?"
A resposta foi imediata.
Até porque, sincero, Casagrande não deixa pergunta sem resposta.
E antecipou o que ninguém sabia.
"Já estou escrevendo há um tempo.
Estou no fim.
Vou lançá-lo ainda este ano.
E tem mais.
O Marcelo Rubens Paiva já está trabalhando no roteiro.
Vamos mostrar para o Walter Salles.
Ele se interessou em transformar minha vida em um filme.
Estou animado.
Porque muita coisa sem fundamento foi dita e escrita sobre mim.
Mas só eu sei o que vivi.
Desta vez será divulgada a verdade.
A verdade", repetiu.
Escrevi o post no dia 13 de junho do ano passado.
E desde então fiquei esperando o livro.
Tinha certeza de que não iria se poupar.
Ele se mostrou por inteiro.
Com o ótimo jornalista Gilvan Ribeiro, veio à tona uma vida visceral.
"Casagrande e seus Demônios."
O foco é sua relação devastadora com as drogas.
O coquetel de cocaína, heroína, maconha e álcool.
As quatro paradas cardíacas.
O internamento à força em uma clínica de reabilitação.
Os sete meses sem contato com qualquer familiar.
E a emocionante recuperação.
A mostra sem medo de quem frequentou o inferno e dançou com o diabo.
Nos surtos psicóticos chegou a enxergar demônios no seu quarto.
De dois, três metros.
Seus pais chegaram a levar um padre para tentar exorcizá-lo.
Os demônios eram as drogas.
Na fase mais aguda, ficava insone e sem comer.
Fumando maconha, cheirando cocaína, injetando heroína e bebendo tequila.
O coração de atleta, dos tempos do futebol o salvou da morte em 2007.
Ele chegou ao fundo do poço tendo o Brasil como testemunha.
Ao lado da namorada, drogado, dormiu ao volante de sua Cherokee.
Bateu em seis carros.
Foi levado ao hospital falando de forma desconexa, sem sentido.
Tudo registrado pelas câmeras.
O mundo tomava conhecimento do efeito devastador das drogas em Casagrande.
Foi a imagem mais deprimente do jogador rebelde, que fez sucesso no Corinthians.
Disputou Copa do Mundo.
E atuou no Porto, Ascoli e Torino.
Teve como grande parceiro e ídolo Sócrates.
Participou ativamente da Democracia Corintiana.
E da luta pela redemocratização do País.
Esteve nos palanques dando seu apoio às eleições diretas para presidente.
No campo compensava sua falta de velocidade com ótima colocação na área.
Sua inteligência, visão de jogo, potencializavam sua técnica.
Era um jogador muito interessante.
Seu pecado era a parte física.
Nunca foi um grande atleta.
Nem poderia.
Usava maconha desde a adolescência.
Fumava e bebia.
Enlouquecia os técnicos, que viam que seu potencial mal aproveitado.
Rebelde, não aceitava ordens.
Lógico que brigou muito com Telê Santana em 1986, sua única Copa.
Discordava da parte tática, da disciplina em excesso.
Jogando na Europa, Casagrande confessa que se dopou.
Um trecho representativo no livro.
"Em geral injetavam Pervitin no músculo.
De imediato, a pulsação ficava acelerada.
O corpo superquente, com alongamento máximo dos músculos.
Podia-se levantar totalmente a perna.
A gente virava bailarina.
Isso realmente melhorou o desempenho.
O jogador não desistia de nenhuma bola.
Cansaço? Esquece...
Se fosse preciso, dava para jogar três partidas seguidas."
O livro além de mostrar a sua agonia, desperta um questionamento sério.
Qual é a realidade dos exames antidoping no mundo?
Como Casagrande escapou usando maconha, se dopando?
Mas sua vida seguiu.
Sempre sobre o fio da navalha.
Sua visão privilegiada do futebol o transformou em comentarista da Globo.
O mais corajoso deles.
Que não trata o futebol como entretenimento, apenas mais uma atração da casa.
E que apenas o lado positivo precisa ser destacado.
Esse seu lado crítico, contundente, resgata a credibilidade nas transmissões.
A Globo não manteve o seu rebelde à toa, precisa ter alguém imparcial.
Alguém para calar o ufanismo de Galvão Bueno.
Seu sucesso como comentarista não impedia seu vício.
Muito pelo contrário.
Jogador aposentado, tinha dinheiro e tempo para se drogar.
Seus vencimentos chegam a R$ 80 mil mensais.
Em dias que não havia futebol, ele se deixava levar.
Não precisava dos amigos, de noitadas.
Em casa, sozinho, servia.
Tinha drogas à vontade.
E as usava em quantidades cavalares.
Como detalha, ao aplicar um miligrama de heroína.
O que, na prática, representava duas doses de uma vez.
Algo perigosíssimo.
"Quando fechei o zíper, em frente ao espelho, houve uma explosão no meu peito.
Explodiu mesmo: bummmmm.
E eu voei.
Saí cerca de um metro do solo, bati contra a parede e caí no chão."
(...) Entretido com o computador, Leonardo (filho) ouviu o som da queda.
E tomou um susto.
Veio correndo e bateu na porta.
'Pai, pai, o que está acontecendo?'"
Tudo foi desmoronando de forma constrangedora.
A falta de alimentação, de sono, as drogas.
E paradas cardíacas que ninguém teve conhecimento.
Casagrande quase morreu quatro vezes.
Até que veio o acidente.
E a internação à força.
A Globo teve uma atitude digna, de continuar a pagar seus salários.
O drama da sua recuperação foi terrível.
A clínica lembrava uma prisão, sem contato com familiares ou amigos.
Ficou mais de um ano internado.
Até que saiu e aos poucos foi retomando o controle da vida.
O trabalho na Globo.
A essa altura, seu casamento já não existia.
Ele não se permite nem ter uma namorada fixa.
Virou uma pessoa reclusa, com pouquíssimos amigos.
Faz questão de dar palestras gratuitas.
Mostrar aos jovens a importância de ficar longe das drogas.
Depois do livro, virá o filme.
Como me disse no ano passado, o escritor Marcelo Rubens Paiva cuida do roteiro.
O mergulho no inferno de de Casagrande é importante ser revelado.
Para mostrar o poder devastador das drogas.
A que todos estão sujeitos.
Foi preciso muita coragem em se expor dessa maneira.
Ainda mais sendo funcionário da TV Globo.
Mas com ele sempre foi assim.
Enfrentou a ditadura militar, o status quo do Corinthians.
Revolucionou o futebol e agora se mostra por inteiro.
Intenso como sempre foi.
Mostra sua maior queda para evitar que outros caiam.
Assim é Casagrande.
Buscando a cada dia exorcizar os seus demônios...